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J.K. Rowling responde a críticas sobre sua posição contrária ao boicote cultural contra Israel


Hoje, dia 27, J.K. Rowling publicou através de seu twitter um texto respondendo às críticas feitas a sua carta contra o boicote cultural a Israel e explicando melhor sua posição. A escritora havia publicado recentemente em parceria com diversos artistas uma carta, que você também pode ler traduzida abaixo, respondendo a um outro texto que pedia um boicote cultural contra Israel, que também foi assinada por diversos artistas britânicos.

O boicote cultural, que a Jo é completamente contra, anuncia: "Junto com mais de 600 outros artistas, nós estamos anunciado que não iremos nos engajar em negócios de relação cultural com Israel. Não aceitaremos convites profissionais do país, nem financiamento de qualquer instituição ligada ao seu governo. Desde a guerra do verão em Gaza, palestinos não tiveram trégua de ataques implacáveis vindos de Israel a suas terras, subsistência e direito a uma existência política. "2014 foi um dos anos mais cruéis e fatais na história da ocupação", diz a organização israelense de diretos humanos B'Tselem."

Jo discorda com a abordagem desses artistas ao assunto. Segundo ela, um boicote cultural, ao contrário de diálogo aberto, não oferece nenhuma solução para o problema, inclusive podendo intensificá-lo.  Leia a seguir a carta da Jo dizendo sua posição sobre o assunto, também assinada por outros artistas, e logo depois sua resposta contra as críticas que recebeu.

Israel precisa de pontes culturais, não boicotes – carta de JK Rowling, Simon Schama e outros

Em fevereiro de 2015, vocês (The Guardian) publicaram uma carta de artistas do Reino Unido anunciando as intenções dos mesmos de fazer um boicote cultural a Israel.

Nós não acreditamos que boicotes culturais sejam aceitáveis ou que a carta que vocês publicaram represente fielmente a opinião do meio cultural no Reino Unido.

Sendo assim, estamos escrevendo para declarar nosso apoio ao lançamento do projeto e aos objetivos do “Cultura pela Coexistência” (Culture for Coexistence) – uma rede independente de pessoas do Reino Unido que representa uma interseção do meio cultural.

Nós vamos buscar informar (as pessoas) e encorajar o diálogo sobre Israel e os Palestinos em uma comunidade criativa e cultural mais abrangente. Enquanto podemos não compartilhar todos a mesma visão sobre as políticas do governo israelense, nós todos compartilhamos o desejo de uma coexistência pacífica.

Boicotes culturais que excluem Israel causam discórdia, são discriminatórios e não vão ampliar a paz.
Diálogo aberto e interação promovem uma maior compreensão e aceitação mútuas, e é através disso que algum movimento pode ser feito em direção a uma resolução do conflito.

No fim, nós todos acreditamos em uma solução com dois Estados, de forma que a autodeterminação nacional dos dois povos se realize, com o Estado de Israel e um Estado Palestino existindo lado a lado em paz e com segurança.

Envolvimento cultural constrói pontes, cultiva liberdade e afirma um movimento para mudança. Nós endossamos inteiramente o encorajamento dessa ferramenta tão poderosa para a mudança, ao invés do boicote da mesma.

                                                                                                                           

Logo após ter escrito essa carta, ela esclareceu alguns pontos pelo Twitter: "Falando apenas por mim, eu lamento a maioria das ações do Sr. Netanyahu no governo. Entretanto, eu não acredito que um boicote cultural irá tirá-lo do poder, e eu nunca ouvi sobre um que já tenha terminado um conflito sangrento e prolongado.

Se algum efeito for sentido para o boicote proposto, será por israelenses normais, muitos dos quais não votaram no Netanyahu. Esses israelenses estarão certos em questionar por que boicotes culturais também não estão sendo propostos contra - para tomar exemplos aleatórios - Coréia do norte e Zimbábue, cujos lideres não são considerados geralmente modelos pela comunidade internacional. 

O compartilhamento de arte e literatura através das fronteiras constitui um imenso poder para fazer o bem nesse mundo. [...] Em uma época que estigmatização de religiões e etnias parece estar crescendo, eu acredito fortemente que diálogo e colaboração cultural são mais importantes do que jamais foram, e que boicotes culturais separam, descriminam e são contra-produtivos."

Esse texto e a carta foram, entretanto, vastamente criticados por diversos lados. Muitos argumentavam "como dialogar com um país que já massacrou milhares?" e a Jo se tornou alvo de várias postagens xingando-a, discordando dela ou até mesmo indicado que esse não seria o caminho mais eficiente. Hoje, dia 27, a escritora resolveu publicar um outro texto pelo Twitter esclarecendo outros pontos. Como os personagens de seus livros estavam sendo usados para rebater sua carta, ela também os usou e relembrou algumas mensagens do Dumbledore. Leia a seguir o texto traduzido.

Por que o Dumbledore subiu ao cume da montanha

Eu tenho recebido muitas mensagens ultimamente que se utilizam dos meus personagens fictícios para fazer considerações acerca do boicote cultural de Israel. Isso não é uma reclamação: esses personagens pertencem aos leitores tanto quanto a mim e cada pessoa os interpreta de uma maneira diferente. Às vezes as características dos personagens imaginadas pelos leitores não são as que eu havia imaginado para eles, mas o melhor dos livros é que nós fazemos, de acordo com nossa imaginação, nosso próprio elenco. Eu sempre me diverti ouvindo as versões alternativas dos personagens de Harry Potter.

Muitas dessas mensagens que eu tenho recebido incluem variações da frase “diálogo não acabará com a Guerra Bruxa” o que, na medida do possível, é verdade. Somente conversar não teria acabado com a Guerra Bruxa e não o fez. Voldemort acreditava que os trouxas eram sub-humanos, então é válido fazer comparações entre Voldemort e um indivíduo real que inferioriza qualquer raça, religião ou sexualidade. Mas não faz sentido falar para Voldemort ou Bellatrix Lestrange para que deixem suas varinhas de lado pelo amor que sentem pelos humanos. Eles não têm nenhum amor pela humanidade e queriam dominar e não manter a paz.

Eu disse acima, e reafirmo isso, que o leitor tem o direito de fazer sua própria versão dos personagens. No entanto, há uma característica central em Harry Potter que não é negociável: nós não podemos fingir que não está lá, ou que não tem importância, quando é a essência dos livros e de muitas formas a chave para a história. É também importante ressaltar que meu conhecimento (eu recebo muitas mensagens, então não posso jurar que estou certa) ficou perdido em meio a tantas comparações entre Israel e os Comensais da Morte.

No ultimo livro, Relíquias da Morte, quando muitas coisas foram reveladas, há uma cena no cume de um morro. Dumbledore foi convocado por um Comensal da Morte, Severus Snape. A esse ponto, Snape é um seguidor fiel da filosofia de Voldemort. Ele provavelmente é um assassino, certamente um traidor de duas das pessoas que Dumbledore mais amava e o homem que enviou Voldemort a uma criança inocente, sabendo que este iria matá-la.

Novamente, para meu conhecimento (minha memória não é infalível, então me perdoe se você o fez), ninguém nunca me questionou: por que Dumbledore atendeu ao chamado de Snape e por que ele não o matou logo que chegaram lá?

Eu acho que os leitores sabem que Dumbledore é suficientemente inteligente e compassivo para saber que Snape, apesar de ter levado uma vida adulta desprezível, tem algo humano dentro de si, algo que pode ser recuperado. Porém, apesar de sábio, Dumbledore não é vidente. No momento em que atende ao chamado, ele não tem como saber se Snape vai tentar matá-lo. Ele não tem como saber se Snape terá coragem moral e psicológica para mudar o curso das coisas e muito menos se irá ajudar a derrotar Voldemort.

Eu vou divagar um pouco aqui, mas há uma questão relacionada que vale a pena citar. Dentre as mensagens que fazem um paralelo entre os livros de Harry Potter e Israel, há algumas que dizem que “Harry ficaria desapontado” ou “Harry não entenderia” minha posição. Essas pessoas estão certas, mas apenas em um determinado ponto. O Harry de seis livros e meio talvez não entendesse. Harry é imprudente durante uma porção considerável desses seis livros e meio e eu o compreendo do fundo do meu coração. Ele perdeu seus familiares, teve fardos colocados sobre ele que ele nunca quis e foi estigmatizado durante toda sua adolescência por carregar uma cicatriz feita por um assassino.

Tem um momento no último livro, no entanto, quando Harry, cujo instinto natural é brigar e precipitar-se sobre a ação, é forçado a parar e considerar a mensagem oculta que Dumbledore havia deixado para ele. Infelizmente, essa mensagem vai contra tudo aquilo que Harry acredita ser necessário para ganhar uma Guerra. Ele quer enfrentar Voldemort, mas Dumbledore planejou as coisas para que, enquanto Harry soubesse que uma arma existia, ele também tivesse conhecimento que utilizá-la seria a coisa errada a se fazer. Harry não conseguia entender o porquê disso, mas mesmo assim, decide agir contra seu próprio instinto e de acordo com aquilo que ele acreditava ser o desejo de Dumbledore. A decisão era desconfortável para ele e o deixa em dúvida sobre como agir até o momento em que é colocado cara-a-cara com Voldemort para seu encontro final.

Diferentemente de Harry, Dumbledore não estava agindo contra seu próprio instinto quando escolheu encontrar-se com Snape. Dumbledore, lembre-se, não é um politico; o Ministro é fraco e corrupto e deixa Voldemort ascender e ainda faz um péssimo trabalho em combatê-lo. Dumbledore é um acadêmico e acredita que certos canais de comunicação devem sempre permanecer abertos. Era verdade nos livros de Harry Potter e é também na vida real que a conversa não tem o poder de mudar mentes fechadas. No entanto, o fim da minha guerra fictícia foi mudado completamente quando Snape escolheu abandonar sua própria ideologia e Dumbledore o ajudou a fazer isso. Essa era uma parceria sem a qual o desejo de lutar de Harry teria sido inútil.

A comunidade palestina sofreu muita injustiça e brutalidade. Eu gostaria de ver o governo israelita se responsabilizar por isso. Boicotar Israel em todas as suas instancias tem um propósito. Isso satisfaz a urgência humana de fazer algo, independente do que seja, em detrimento do terrível sofrimento dessas pessoas.

O que me parece desconfortável é que impedir o contato com a comunidade cultural e acadêmica de Israel, significa recusar o convívio com alguns israelitas que são pró-palestinos e críticos do seu próprio governo. Um boicote cultural coloca barreiras imóveis entre artistas e acadêmicos que querem conversar, entender uns aos outros e trabalhar lado-a-lado em prol da paz. Eu acredito no poder de projetos como esse http://ow.ly/TSYCp e esse http://ow.ly/TSZYx e esse http://ow.ly/TSYik. Eu acho uma tragédia quando uma pesquisa médica como essa http://ow.ly/TSYoD é impedida.

Eu realmente não levo a mal quando vocês me mandam contra-argumentos baseados em termos dos livros de Harry Potter. Todos os livros que lidam com a moralidade podem ser entendidos de maneiras diferentes das que cabem melhor na perspectiva de quem fala. Eu só posso dizer que uma boa discussão de moralidade diante da saga é impossível se as ações de Dumbledore não forem examinadas, porque ele representa a moral dos livros. Ele não considera todas as armas iguais e está sempre preparado para ir para o cume do morro.


Tradução por: Isabel Dain, Barbara Kultchek e Gabriel Pimentel. 

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